Histórias pantaneiras: A resiliência de uma ribeirinha do Taquari

Por Sucena Shkrada Resk*, em Campo Grande (MS)
“O rio Taquari está indo embora e ficando estreito”. Essas palavras são de Deolinda Soares Cunha, 58 anos, da comunidade de Cedrinho, na região do Pantanal do Paiaguás, às margens do rio Taquari (MS). A ribeirinha, de hábitos simples, mora há 58 anos nessa área, em uma casa revestida de palha e vive da agricultura de subsistência, e conta que hoje o que mais a preocupa é a morte do rio.
O biólogo José Sabino, da Universidade Anhanguera e Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (MS), explica que nos últimos 40 anos, houve um processo de assoreamento drástico no Taquari. “Hoje 5 mil km 2 – correspondentes a 4% do Pantanal foram comprometidos”, diz. Boa parte da erosão se deve a atividades extensivas de pecuária e da agricultura na região.
A influência sobre o modo de vida das comunidades locais é crescente. Segundo a dona de casa, a qualidade do poço artesiano que usa há tantos anos também está sendo prejudicada. “A água começou a aparecer com uma cor estranha. Deixo assentar a sujeira no fundo para não dar doença e coloco cloro no filtro”, relata. Franzina, mostra as veias saltadas em seu braço e conta que o esforço de retirar animais que caem no poço causou essas marcas em seu corpo com o tempo. “Tenho que tirá-los com as mãos. Até tamanduá-bandeira e cobra já encontrei por aqui”. Ela cita que encontra dificuldade para encontrar apoio para colocar proteção, como um cercado nessa área.
Deolinda, como outros ribeirinhos, revela ainda outros contextos da dificuldade vivenciada nesse pedaço do país, de ordem logística, para quem vive nas proximidades do rio. “Até Corumbá, que é a cidade mais próxima, chegam a cobrar R$ 50 de barco e a gente não tem isso. Quando precisamos fazer compras acabamos pagando frete de R$ 10 por cada volume. Por isso, vamos de três em três meses à cidade”, diz ela que mora com seu marido, dois filhos, uma nora e seu primeiro neto.
Apesar dos problemas, a pantaneira afirma que é feliz e gosta de onde vive, mas deseja um futuro melhor para seu neto e que as “autoridades” deem atenção à sua região. “Com fé, tudo dá certo! E olhando para o alto, como se estivesse vendo o lugar onde mora, também se resigna, lembrando de fatos em seu cotidiano que fazem com que abra um sorriso fácil. Ela se orgulha dos pés de acerola, caju, coco, goiaba, manga e jenipapo que plantou em seu quintal no meio da mata. Mas desabafa – “O que a gente faz se acabar a água? A natureza que colocou aquele leito ali. Ninguém vive sem ela. Até um passarinho precisa de um gole de água”.
Conheci ‘dona’ Deolinda, no último dia 10, em Campo Grande (MS). Ela concedeu a entrevista, após participar do evento “Coalizão Cerrado – Pantanal”, uma realização da Rede Cerrado e da ONG Ecoa – Ecologia e Ação.
(Relatos de bastidores durante a viagem a Campo Grande, a convite da Fundação Toyota do Brasil, quando fui conhecer a biodiversidade pantaneira e o Projeto Arara Azul)
*Sucena Shkrada Resk, editora-assistente da Editora Horizonte
Fonte: Editora Horizonte
