O CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES:
Em um artigo intitulado “Choque de civilizações: na origem de um conceito”, Alain Gresh explica que a idéia de “choque” foi freqüentemente retomada para explicar os conflitos entre Ocidente e Oriente. Ainda em 1964, Bernard Lewis, um professor universitário britânico pouco conhecido, lançou a expressão que ficaria famosa. Se, por um lado, esta passou despercebida durante a década de 1960, de outro foi relançada por ele vinte e cinco anos depois na forma de um artigo, “As raízes da cólera muçulmana”. Gresh ressalta que:
“a visão de um ‘choque de civilizações’, contrapondo duas entidades claramente definidas, o ‘Islã’ e o ‘Ocidente’ (ou a civilização judeo-cristã’), está no centro do pensamento de Bernard Lewis, um pensamento essencialista que restringe os muçulmanos a uma cultura petrificada e eterna.”
Em 1993, Samuel P. Huntington, estrategista norte-americano, retomou a fórmula do “choque de civilizações” num célebre artigo que escreveu para a revista Foreign Affairs. O texto fez tanto sucesso e despertou tanta polêmica que levou o seu autor a ampliá-lo e, em 1996, Huntington publicou o livro Choque de civilizações: e a recomposição da ordem mundial, publicado no Brasil no ano seguinte.
A expressão “choque de civilizações” adquiriu grande repercussão no contexto de incertezas da nova ordem mundial, logo após o fim da Guerra Fria (1947-1989), quando o mundo se deparou com a eclosão de conflitos isolados, motivados por rivalidades étnico-religiosas e culturais, contidos em sua grande maioria por regimes totalitários, como na ex-União Soviética e na antiga Iugoslávia. O tema é bastante atual, a maioria das guerras ocorre entre povos de civilizações diferentes, por exemplo, o conflito Israel-Palestina, as Guerras do Golfo, a desintegração iugoslava, a instabilidade na Caxemira, a luta pela independência na Chechênia ou mesmo a atual presença anglo-americana no Iraque.
Segundo ele, o mundo está dividido em nove “civilizações”: ocidental, africana, islâmica, sínica, hindu, ortodoxa, japonesa, budista e latino-americana. Defende-se nela que o futuro da humanidade poderá ser determinado pelo confronto entre diferentes civilizações, a partir da adesão a religiões e características culturais comuns. O ideal seria que cada civilização principal tivesse, pelo menos, um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas sabemos que apenas EUA, China, Rússia, França e Inglaterra são membros permanentes do Conselho.
III. Edward Said, crítico literário e ativista da causa palestina, interpretou a teoria de Huntington como uma versão renovada da tese da Guerra Fria, pois entende que os conflitos do mundo atual e do futuro continuarão a ser essencialmente ideológicos, mais do que econômicos e sociais. Huntington falha por tratar a cultura como algo monolítico (único), imutável e homogêneo, ou seja, não considera as inquietações que existem dentro de cada cultura e aponta que a tese do “choque de civilizações” fundamenta-se na perspectiva de uma separação rigorosa entre diferentes culturas, desconsiderando os diversos fluxos que caracterizam o mundo de hoje, o que torna impossível, para qualquer cultura, manter-se completamente isolada das outras (por exemplo, as migrações, as misturas e o intercâmbio de culturas).


